Na fila do INSS, brasileiro espera pela aposentadoria

Alta procura após reforma da Previdência, falta de funcionários e dificuldades técnicas deixam 1,3 milhão de pedidos parados no INSS

Douglas Gavras , O Estado de S. Paulo

19 de janeiro de 2020 | 05h00

Há cerca de um ano, o motorista de ônibus Bernardo Barbosa, de 61 anos, espera para ter seu pedido de aposentadoria analisado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Enquanto aguarda na fila virtual, que só tem crescido nos últimos meses, ele continua trabalhando. “A paciência acabou. Se minha aposentadoria não sair logo, vou ser obrigado a entrar na Justiça.”

“Desde que começou essa conversa de reforma da Previdência, há mais de dois anos, todo mundo que estava perto de se aposentar correu para garantir o benefício. É claro que a fila iria aumentar. Só o governo não percebeu. Estou tentando desde fevereiro do ano passado, já tem quase um ano. Dependo desse dinheiro. Enquanto a minha aposentadoria não sair, não posso parar de trabalhar”, diz.

Afastado do emprego desde outubro, André de Oliveira, de 40 anos, aguarda ser chamado para a perícia médica. Já Aline Azevedo, de 29, deu viagem perdida: o sistema marcou a perícia em duplicidade e ela vai precisar voltar no fim do mês para ser atendida. Em busca de informações para a mãe, de 70 anos, a empregada doméstica Elaine Duarte espera na fila. “Eles falam que nem precisa ir na agência e que basta tirarmos as dúvidas pelo aplicativo, mas a gente não tem acesso à internet.” 

Casos como os deles têm sido cada vez mais frequentes. Há uma fila estimada de 1,3 milhão de pedidos de benefícios, esperando para serem processados.

De acordo com a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, os sistemas da Previdência receberam um volume muito superior à média nos últimos meses e ainda não foram atualizados para receber os pedidos de aposentadoria feitos após a reforma. A fila de processos que se formou até agora é apenas dos contribuintes que já tinham direito à aposentadoria ainda pelas regras antigas. 

“Os sistemas estão inoperáveis: tudo o que foi pedido até 13 novembro, antes da reforma, está sendo analisado com lentidão, pelo volume alto de pedidos e pela falta de pessoal. O que veio após a reforma nem pode ser analisado, porque não se pensou em um período de adaptação dos sistemas após a mudança”, diz Bramante.

A avaliação entre especialistas de direito previdenciário é que o INSS não estava preparado para o aumento de demanda que ocorreria naturalmente quando a reforma da Previdência começou a ser discutida, ainda no governo Temer, em 2017, e mesmo durante a aprovação do texto, no fim do ano passado, já no governo Bolsonaro. 

Em setembro, o número de solicitações de aposentadoria ultrapassou pela primeira vez a marca de 1 milhão em um mês, com 1,15 milhão de pedidos.

Militares na reserva serão convocados para o INSS

Para tentar zerar a pilha de processos, o governo anunciou na última semana a contratação temporária de até 7 mil militares que estão na reserva. Eles devem receber um adicional de 30% sobre a remuneração, a ser paga pelo INSS. A meta é zerar a fila até setembro.

Com a força-tarefa composta pelos militares, a Secretaria de Previdência estima um custo extra de R$ 14,5 milhões por mês, durante nove meses – o que daria um total de R$ 130,5 milhões. Segundo o governo, eles devem exercer atividades como organização, triagem, emissão de senhas e extratos, recepção e digitalização de documentos.

Bramante, do IBDP, lembra que a análise de processos de aposentadoria e de concessão de benefícios é complexa e não se pode esperar que os militares temporários assumam essa responsabilidade. “Mesmo para atividades mais simples, de atendimento no balcão, é complicado ter pessoas sem treinamento. Com a reforma da Previdência, muitos contribuintes têm ido às agências para entender as novas regras e precisam de orientação especializada.”

Funcionário do INSS há 26 anos, Moacir Lopes, que também é diretor da Fenasps (federação que representa os servidores), lembra que o déficit estimado no passado era de 16 mil servidores e que o último concurso foi feito há quatro anos. 

“O INSS entrou numa espiral de inoperância e agora o governo quer colocar militares para executarem um trabalho para o qual não foram treinados para fazer. Por que não contratar servidores aposentados do próprio INSS, de forma emergencial?”, questiona Lopes.

Na última sexta-feira, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) ingressou com pedido de medida para suspender o recrutamento dos militares, argumentando que a medida viola a Constituição, ao prever contratação de uma carreira específica e sem realização de concurso público.

Segundo a Secretaria de Previdência, a seleção dos militares demanda um decreto presidencial e uma portaria ministerial e não há previsão legal para convocar servidores aposentados do próprio INSS. A autarquia também afirma que os seus sistemas começaram a ser atualizados em agosto do ano passado e que mais da metade deles já está atualizada.

Fonte:http://cntq.org.br/na-fila-do-inss-brasileiro-espera-pela-aposentadoria/